Ele reencarnou aos 11 de março de
1934. Seu novo nome, na nova existência: CLÓVIS
SOARES FERREIRA LINS e foi uma das figuras mais importantes na minha vida e
de outras pessoas que com ele conviveram, em 76 anos de existência terrena.
Há 60 dias não temos mais o
arrastar dos chinelos no meio da casa, marca registrada de quem passou dos
setenta anos e, como ele mesmo dizia “tô
ficando véio!”.
Este artigo é a minha forma de
homenagear meu velho pai e, mal começo a digitar estas linhas, as lágrimas
insistem em saltar aos olhos!
Não conheço uma pessoa que tenha
convivido com ele, que não sinta sua falta, de parentes, amigos a ex-patrões!
Sabe aquela criatura que tira do
seu próprio prato ou dá o seu prato inteiro se você pedisse? Pois é, ele era
assim! Se eu, minha esposa, o neto, as netas, os netos e sobrinhos “agregados”
pedissem, ele cederia de bom grado e ainda diria “não estou com fome!”
Quantas vezes minha esposa dizia
a ele: “tem tal comida no fogão!” O que ele fazia? Comia um pouco e deixava
para a gente!
Seu time do coração? Santa Cruz,
time que a neta mais nova passou a torcer, o que fazia seu orgulho e alegria!
Mas e a outra neta? A outra neta é torcedora do arquirrival Sport! Mas o amor
do Vovô Clóvis era grande demais para isso fazer alguma diferença, pois não é
que comprava coisas do Sport para a neta?!
Houve uma época, ainda lembro
bem, eu era garoto e, ele e minha mãe passaram a maior dificuldade, chegando a
ficar quase a pão e água. E eu? Mandaram-me para a casa de um tio, para não
sofrer com aquela situação.
Nos últimos anos, seu prazer era
levar meu almoço. Reclamava quando entrava de férias ou de recesso, ou então,
quando eu dizia a ele que “hoje não vai almoço, pois vou comprar por lá mesmo.”
Ah, ele não gostava, não.
Não foi um homem rico que pudesse
dar presentes caros ou outros supérfluos, mas nunca tive um único motivo de me
envergonhar. Aliás, eu bem que poderia ser como ele, um verdadeiro poço de
paciência! Sempre os outros na frente, pois ele gostava de ser sempre o último.
Seu refúgio? O lar, de onde saía
para levar meu almoço e comprar o seu jornal de segunda-feira.
Conforme me vem as lembranças,
vou narrando alguns “causos” [1]
vivenciados com meu pai:
CAUSO 01 – SUPERMAN, O FILME
Lá estava eu, no antigo Cine
Jardim, hoje sede do SEBRAE, assistindo Superman, o filme. Pergunto ao meu pai:
- Painho, o Senhor gostaria de
ser o “superhomi”, assim?
- Eu, não! – respondeu.
- E por que não? – voltei a
perguntar.
- Oxe, Claudinho - sempre me
chamou assim! – e eu lá quero ser imortal!?
Bem que poderia ser...
CAUSO 02 – O CAWBOY E O CAVALO
Ele trabalhava numa padaria e
chegava morto de cansado. Deitava na sua cama, enquanto minha mãe assistia a
novela na casa da vizinha, pois, nessa época não tínhamos TV.
Lá estava ele, deitado, em
decúbito ventral, ou como dizemos em nordestinês, de bucho mesmo. Eu pulava nas
suas costas, segurava pela gola da camisa e começava a pular, fazendo-o de
cavalo.
O que ele fazia, cansado, doido
pra dormir? Dava risadas! Eita, meu velho!
CAUSO 03 – FINALMENTE, A TV
Um belo dia, meu pai me chamou
para ir com ele à rua. Somente ele e eu e todo cheio de segredos (não era pra
falar pra minha mãe)! Hum, que estranho...
Chegamos de frente a uma antiga
loja da cidade e entramos. Ele começou a olhar os televisores, em preto e
branco, claro e, me perguntou:
- O que você acha?
- Acho de quê?
- Qual a melhor televisão? –
retrucou ele.
Eu já estava com o coração aos
saltos e, pensei: “Painho tá louco! Vai comprar uma TV!”
Ele olhou, olhou e escolheu uma
TV e... comprou em 14 prestações semanais de 1.400,00 cruzeiros! Ainda lembro o
dia!
Quem chamou ele de doido foi
minha mãe, quando a TV chegou.
Assistimos aquela seleção mágica
de 1982 pela nossa TV, em preto e branco!
CAUSO 04 – CARREGANDO ÁGUA
Eu tinha 3 para 4 anos, se bem me
lembro e, na casa onde morávamos, não tinha água encanada. Meu pai tinha de
pegar em latas. E eu, pequeno ia junto, “ajudando” o pobre coitado. Ele não
teve dúvidas: pegou duas latinhas de leite, pregou um pauzinho em cada uma e eu
ganhei minhas latinhas de carregar água junto com ele.
Essa lembrança é tão nítida, que
me lembro até do seu sorriso e o da minha mãe, me vendo com aquelas latinhas
“pesadas”.
CAUSO 05 – VISITANDO OS PARENTES DISTANTES
Era raro meu pai viajar,
principalmente depois que minha mãe desencarnou.
Um dia, meu tio o convidou para
visitar os irmãos e sobrinhos na cidade de Palmares.
Quando cheguei do trabalho, ele
estava conversando com minha esposa e, depois, ele me contou os detalhes: ele
não queria ir, porque, quem levaria meu almoço? E a neta? Quem ajudaria a
buscar no colégio (nessa época, só tínhamos Larissa).
Eu disse a ele: vá visitar o
pessoal de Palmares.
Bom, na segunda-feira, pela
manhã, meu tio veio pegá-lo, depois que eu saí para o trabalho. Quando cheguei,
algo em torno de 19:00h meu pai já estava em casa.
Indaguei à minha esposa o que
tinha acontecido. “Painho não viajou?” Sim, havia viajado, mas já retornara!
Depois ele me disse que meu tio
estava com um pouco de pressa pra voltar!
Um dia meu tio me disse a outra
versão dos fatos: chegando em Palmares, foram visitar os parentes e, sempre que
chegavam em alguma casa, meu pai dizia a meu tio:
- Valdemir, num tô apressando não viu, mas quando quiser
voltar, eu já tô pronto!
Isso se repetiu em todas as
visitas, até que meu tio disse: então vamos embora!
Agora, avalie se ele estivesse
com pressa?
CAUSO 06 – SEU PRIMEIRO NETO
Meu filho mais velho, Thiago,
hoje com 20 anos, quando era pequeno, era outro xodó do vovô Clóvis!
Todo fim de semana eu pegava ele
para ficarmos juntos e era uma alegria para meu pai, ter o seu netinho em casa.
Lógico que, quando eu chegava com
ele, meu pai tinha sempre algum brinquedinho para dar... coisas de avô...
CAUSO 07 – A ESTRELA QUE CAIU DO CÉU
Um dia eu achei que uma estrela
havia caído do céu, bem no meio da rua onde morava. Eu olhava da janela e via
aquela “coisa” brilhando! Só podia ser uma estrela!
E fui correndo contar para meu
pai.
Na hora ele não me disse que não
podia ser uma estrela, mas veio olhar comigo e me disse:
- É a luz do poste no calçamento,
Claudinho...
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